Foto de 2014, na tao sonhada piscina de minha amiga em Luanda minha despedida da África |
Agora imaginem o seguinte cenário: alguém chega para você e fala: você
só tem 31 dias para usar essa piscina. Depois do dia 31, você nunca mais
poderá usá-la. Imagino que, nesse cenário, você limparia a piscina
imediatamente, compraria umas carnes, chamaria seus amigos mais próximos
e daria festas quase diárias, até que o dia 31 chegasse e aquela
oferta, aquela piscina, desapareceria para sempre. Que bons momentos
aqueles 31 dias.
Pois bem: decidi escrever sobre essa teoria que tenho porque esse mês se cumpre exatamente um ano que minha avó faleceu. Ela era uma piscina. Uma das muitas piscinas metafóricas que já passaram e passarão na minha vida. Que mulher. Minha segunda mãe, me criou e morou comigo durante os primeiros 23 anos da minha vida, até eu sair de casa. Minha avó era daquelas clássicas, que acha que você só é saudável quando está gordo, que cozinhava maravilhosamente bem, que me mimava, porém que às vezes também era meio intensa e me fazia perder a paciência. Normal, vai? Éramos diferentes. Mas a verdade é que minha avó me amava incondicionalmente. Se ela pudesse, colocaria a minha comida e cortaria a minha carne todos os dias durante o almoço. Eu que não deixava. Mimo tem limites, né?
Até que em 2013, aos 23, decidi sair de casa. No primeiro momento, ela não entendeu. Chegou a falar “tá indo pra longe, não gosta mais da gente”. Ela era de outros tempos, não entendia tão bem essa coisa moderna de viajar por longos períodos de tempo, morar em outros lugares, etc. Bom, desde 2013 só voltei para o Rio de Janeiro durante um ano, depois emendei em outra viagem que durou mais uns três anos. Resumindo, passei quase quatro anos longe da minha família. Nesses quatro anos, minha avó, que já não era menina, deu uma caída significante em relação a saúde. Ficou debilitada. Mas continuou sendo a dona da casa, não deixava minha mãe entrar na cozinha. Fazia coisas que não podia, carregava peso. Teimosa, guerreira demais.
Durante esse tempo que fiquei fora, minha avó nunca foi me visitar onde eu estava morando. Viagem longa, não dava pra ela. Então o jeito que encontramos foi falar por Skype todos os dias. Todos. Os. Dias. Pela diferença de horário, às vezes ela ficava me esperando acordada, lutando contra o sono cada vez mais presente, até 00h, 01h da manhã, pra me ver durante 10 minutos. Tinha também as vezes que eu ia no Rio. Nesse últimos três anos, umas 5 vezes. Era uma festa, ela fazia pudim - meu favorito - cozinhava aquelas comidas maravilhosas e, toda as vezes que chegava a hora de ir embora, ela se recusava a se despedir de mim. Não gostava. Me deixava bilhetes dizendo “boa viagem, te adoro”.
Voltando ao tema da piscina, como eu a via poucas vezes, eu tratava de aproveitar aquela visita o máximo possível. Abraçava e beijava muito a Dona Dirce. Ficar longe me deu outra perspectiva sobre a minha família. Dei muito mais valor. Mas minha avó já não estava tão bem e, por ela, decidir voltar. A situação no Brasil não estava muito legal, mas valia o sacrifício. Em março de 2016, finalmente tomei a decisão e comprei passagem. Junho de 2016 eu estaria no Rio de vez. Iria aproveitar mais a minha avó, que já estava muito mais debilitada que antes. Eram três meses só, eu teria tempo de encontrar um trabalho e ela me esperaria, provavelmente dormindo na cadeira da cozinha, como sempre. Na sexta-feira antes da minha viagem, que seria no domingo, minha avó adoeceu. No sábado, minha mãe me contou que ela estava bem doente, mas que estava reagindo. No domingo, eu embarquei no avião com a minha avó ainda viva. Quando eu cheguei ao Rio, de manhã, um clima estranho. “Tem alguma coisa errada aqui”. Antes de entrar no carro pra sair do aeroporto, recebi a notícia.
Minha piscina tinha desaparecido. Foi embora, eu nunca mais poderia mergulhar ali. Eu não entendi, perguntei para Deus ou sabe-se lá quem porque diabos ela não esperou umas oito horinhas a mais, só para eu poder estar ali, me despedir. Oito horas, cara. Isso não é nada. Oito horas.
Mas a vida não espera. A gente pensa que vai ter aquela piscina, aquela pessoa, aquele relacionamento ou aquele emprego para sempre, então esquecemos que, na verdade, tudo tem data de validade. Se você não comer aquele chocolate hoje, amanhã ele vence. Seu pai, sua namorada, seu amigo não estarão ali para sempre e sem exageros: pode ser questão de horas. Olhem a minha história.
Graças ao acaso de estar longe e só poder vê-la
esporadicamente, eu curti muito aquela piscina. Cada pulo era uma festa.
Cada pudim era agradecido com muitos beijos. Mas quantas piscinas,
pessoas e oportunidades eu não desperdicei ao longo desses 27 anos
achando que elas estariam sempre ali? Eu tive a sorte de ter sido criado
por uma família sensacional, carinhosa. Sempre digo que amo os meus
pais, os meus amigos, tento relevar situações bestas, brigas, diferenças
que, na verdade, só nos deixam cegos sobre a única verdade do mundo:
tudo termina. Toda oferta expira. Hoje eu entendo isso.
A gente, na verdade, só pode pular na piscina hoje. Infelizmente não há alguém que nos diga o tempo que poderemos aproveitar aquele luxo. Ame hoje, abrace hoje, diga o que sente hoje, faça o que você tem vontade hoje. Seja gentil e respeitoso hoje. Perdoe hoje. Pule na piscina hoje. O que é mais importante que isso? Chame os amigos, faça um churrasco, ofereça uma grande festa em quaisquer que sejam as piscinas que você tenha hoje na sua vida. Porque de verdade, por questão de horas, sem aviso, ela pode não estar ali mais.
Aproveite. Bom banho.
Em tempo: esse texto eu achei no face a um ano atrás e publiquei aqui por ser muito parecido com minha fase agora é Bruno Machado.
Pois bem: decidi escrever sobre essa teoria que tenho porque esse mês se cumpre exatamente um ano que minha avó faleceu. Ela era uma piscina. Uma das muitas piscinas metafóricas que já passaram e passarão na minha vida. Que mulher. Minha segunda mãe, me criou e morou comigo durante os primeiros 23 anos da minha vida, até eu sair de casa. Minha avó era daquelas clássicas, que acha que você só é saudável quando está gordo, que cozinhava maravilhosamente bem, que me mimava, porém que às vezes também era meio intensa e me fazia perder a paciência. Normal, vai? Éramos diferentes. Mas a verdade é que minha avó me amava incondicionalmente. Se ela pudesse, colocaria a minha comida e cortaria a minha carne todos os dias durante o almoço. Eu que não deixava. Mimo tem limites, né?
Até que em 2013, aos 23, decidi sair de casa. No primeiro momento, ela não entendeu. Chegou a falar “tá indo pra longe, não gosta mais da gente”. Ela era de outros tempos, não entendia tão bem essa coisa moderna de viajar por longos períodos de tempo, morar em outros lugares, etc. Bom, desde 2013 só voltei para o Rio de Janeiro durante um ano, depois emendei em outra viagem que durou mais uns três anos. Resumindo, passei quase quatro anos longe da minha família. Nesses quatro anos, minha avó, que já não era menina, deu uma caída significante em relação a saúde. Ficou debilitada. Mas continuou sendo a dona da casa, não deixava minha mãe entrar na cozinha. Fazia coisas que não podia, carregava peso. Teimosa, guerreira demais.
Durante esse tempo que fiquei fora, minha avó nunca foi me visitar onde eu estava morando. Viagem longa, não dava pra ela. Então o jeito que encontramos foi falar por Skype todos os dias. Todos. Os. Dias. Pela diferença de horário, às vezes ela ficava me esperando acordada, lutando contra o sono cada vez mais presente, até 00h, 01h da manhã, pra me ver durante 10 minutos. Tinha também as vezes que eu ia no Rio. Nesse últimos três anos, umas 5 vezes. Era uma festa, ela fazia pudim - meu favorito - cozinhava aquelas comidas maravilhosas e, toda as vezes que chegava a hora de ir embora, ela se recusava a se despedir de mim. Não gostava. Me deixava bilhetes dizendo “boa viagem, te adoro”.
Voltando ao tema da piscina, como eu a via poucas vezes, eu tratava de aproveitar aquela visita o máximo possível. Abraçava e beijava muito a Dona Dirce. Ficar longe me deu outra perspectiva sobre a minha família. Dei muito mais valor. Mas minha avó já não estava tão bem e, por ela, decidir voltar. A situação no Brasil não estava muito legal, mas valia o sacrifício. Em março de 2016, finalmente tomei a decisão e comprei passagem. Junho de 2016 eu estaria no Rio de vez. Iria aproveitar mais a minha avó, que já estava muito mais debilitada que antes. Eram três meses só, eu teria tempo de encontrar um trabalho e ela me esperaria, provavelmente dormindo na cadeira da cozinha, como sempre. Na sexta-feira antes da minha viagem, que seria no domingo, minha avó adoeceu. No sábado, minha mãe me contou que ela estava bem doente, mas que estava reagindo. No domingo, eu embarquei no avião com a minha avó ainda viva. Quando eu cheguei ao Rio, de manhã, um clima estranho. “Tem alguma coisa errada aqui”. Antes de entrar no carro pra sair do aeroporto, recebi a notícia.
Minha piscina tinha desaparecido. Foi embora, eu nunca mais poderia mergulhar ali. Eu não entendi, perguntei para Deus ou sabe-se lá quem porque diabos ela não esperou umas oito horinhas a mais, só para eu poder estar ali, me despedir. Oito horas, cara. Isso não é nada. Oito horas.
Mas a vida não espera. A gente pensa que vai ter aquela piscina, aquela pessoa, aquele relacionamento ou aquele emprego para sempre, então esquecemos que, na verdade, tudo tem data de validade. Se você não comer aquele chocolate hoje, amanhã ele vence. Seu pai, sua namorada, seu amigo não estarão ali para sempre e sem exageros: pode ser questão de horas. Olhem a minha história.
Essa e a minha avo paterna Perina, em 2017 depois de 101 anos (quase 102) ela nos deixou |
A gente, na verdade, só pode pular na piscina hoje. Infelizmente não há alguém que nos diga o tempo que poderemos aproveitar aquele luxo. Ame hoje, abrace hoje, diga o que sente hoje, faça o que você tem vontade hoje. Seja gentil e respeitoso hoje. Perdoe hoje. Pule na piscina hoje. O que é mais importante que isso? Chame os amigos, faça um churrasco, ofereça uma grande festa em quaisquer que sejam as piscinas que você tenha hoje na sua vida. Porque de verdade, por questão de horas, sem aviso, ela pode não estar ali mais.
Aproveite. Bom banho.
Em tempo: esse texto eu achei no face a um ano atrás e publiquei aqui por ser muito parecido com minha fase agora é Bruno Machado.
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